Firehosing? O que é isso?!

Olá!

A essa altura, você já deve conhecer bem o termo fake news. Mas você sabe o que é firehosing? Este é mais um termo da língua inglesa que tem a ver com essa prática nada recomendável, aliás criminosa, de espalhar notícias falsas, mas desta vez em grande volume.

Firehosing é um composto de duas palavras em inglês, a saber, fire (fogo) e hose (mangueira). Firehose, portanto, é mangueira de incêndio, que, com o acréscimo do sufixo ing passa a denominar o ato de extinguir o fogo.  E como todos sabemos, o jato de água que sai desse tipo de duto é tão potente, que pode causar danos gravíssimos quando apontado para pessoas, o que costuma acontecer em algumas manifestações públicas, como no movimento pelos direitos civis dos negros, nos Estados Unidos, em 1963. Segundo relatos daquela época, a força dos jatos disparados contra a população negra era tão intensa que a carne de alguns chegou a ser separada dos ossos! E a manifestação foi pacífica… Assista ao vídeo de 24 segundos, sobre aquele dia.

https://en.wikipedia.org/wiki/Birmingham_campaign High school students are hit by a high-pressure water jet from a fire hose during a peaceful walk in Birmingham, Alabama in 1963.

Já deu pra perceber a relação entre firehosing e fake news? Isso mesmo: assim como as mangueiras de incêndio potencializam o jato d’água, do mesmo modo a distribuição em massa de fake news potencializa seus efeitos. Dizendo de outra maneira, firehosing vem a ser o envio repetitivo de notícias falsas, em um volume tão grande, que é quase impossível não se atingir o objetivo: influenciar pessoas. E se apenas um único zap maldoso pode causar estragos na vida de alguém, imagine uma quantidade imensa de fakes sobre um mesmo fato!

Além dos péssimos exemplos dessa prática que presenciamos recentemente, gostaria de mencionar um outro caso curioso, envolvendo um conceituado site que reúne informações sobre os melhores lugares e serviços do mundo. Vamos lá: um cara de Londres resolveu inventar um restaurante. Ele começou a publicar fotos e fatos a respeito de sua invenção, em tal quantidade, que o TripAdvisor inseriu o restaurante em sua lista de recomendações. Lembre-se: o restaurante não existia! Inicialmente, o falso restaurante ocupou a posição Nº 18.149 na lista das recomendações. Com isso, as pessoas começaram a ligar para o telefone informado, querendo fazer reservas. Quanto mais informações sobre o falso restaurante eram publicadas, mais aumentava o número de ligações de clientes em potencial. Para resumir, o falso restaurante chegou a ocupar a 30ª posição entre os melhores restaurantes da capital inglesa. Para ler mais sobre isso, clique aqui.

Minha vó costumava dizer quemuitos Deus te acompanhe pode [sic] não levar ninguém pro céu; mas basta um único diabo que te carregue pra acabar com a vida de uma pessoa”.

Foi preciso muito esforço para que as “qualidades” do falso restaurante o fizessem constar do site mencionado; mas basta um único zap maldoso para minar relações.

Mas por que acreditamos em notícias falsas?

Será que essa tendência tem a ver com o fato de desejarmos que certas coisas aconteçam contra o que odiamos ou a favor do que admiramos, independentemente da verdade?

A Psicologia e a Filosofia trabalham com dois dos conceitos que podem explicar muito bem essa nossa tendência: o raciocínio motivado (vale muito a pena assistir vídeo abaixo) e o realismo ingênuo. O primeiro conceito trabalha a ideia de que somos mais suscetíveis a crer naquilo que está, de certo modo, de acordo com nossas próprias opiniões, a ponto de acolhermos os factoides publicados, mesmo que nos digam que não são verdadeiros. Podemos, até, fazer uma pesquisa, mas vamos encontrar outras dez notícias falsas e apenas uma ou duas verdadeiras. Assim, desistimos de procurar, acreditando que o falso é verdadeiro, por causa das nossas próprias crenças.

O segundo conceito trabalha a ideia de que cremos que a nossa opinião sobre os fatos é a única possível e que quem discorda dela é um tolo, idiota e, claro, ingênuo.

Foi assim que vimos uma nação inteira acreditando que havia armas de destruição em massa, no Iraque, como justificativa para uma invasão (março de 2003) e destruição daquele país. Os americanos não tinham nenhuma prova, mas tinham muita convicção. E mesmo que o chefe dos inspetores no Iraque, Hans Blix, tivesse informado que não tinham encontrado nenhum sinal das tais armas, mesmo assim, o país foi invadido. No final, a verdade: as tais armas nunca existiram. Será que um pedido de “desculpem aí, Iraquianos. Nós nos enganamos” resolve a questão?

Veja um exemplo do raciocínio motivado (2’08”):

Para escrever este texto, fiz uma pesquisa exaustiva sobre os conceitos que trouxe aqui. Encontrei muitos textos que foram escritos antes do resultado do segundo turno da nossa eleição presidencial e todos apontavam para o cenário que, ora, conhecemos. Eu mesmo escrevi, neste blog, sobre o poder da mídia (2016), já apontando para o futuro. A cada texto lido, parei para refletir sobre minha inclinação política e o conteúdo que apresento, sentindo-me em paz, pois contra fatos não existem argumentos. O fiel da balança pendeu para as muitas respostas que dei à avalanche de fake news que eu recebi, via Whatsapp. Respondi apresentando os fatos reais, nas versões originais, sem os cortes tendenciosos. Mas foi tudo em vão. Os que me enviaram as mentiras continuam crendo nelas.

Fazendo a autocrítica, adverti a muitos que, da esquerda, também fizeram uso da mesma estratégia, mas num volume imensamente menor, não caracterizando o firehosing.

Cristiano Ronaldo (Portugal) being shown a yellow card after a challenge with Iranian player that was reviewed by referee Enrique Cáceres as a potential red card incident.

Ah! Quem dera pudéssemos recorrer ao VAR (Video Assistant Referee), como se faz no futebol, quando o juiz precisa confirmar a verdade dos fatos. Infelizmente, no lance envolvendo o jogador Cristiano Ronaldo, na Copa 2018, mesmo com seis árbitros de vídeo indicando cartão vermelho, o juiz, soberanamente, deu apenas o cartão amarelo. O que teria motivado o raciocínio daquele juiz? Veja o trecho da cotovelada e decida você.

Este texto não é sobre política partidária. É sobre pessoas e futebol.

Geraldo Seara
Professor da Rede Pública Estadual de Ensino do Estado da Bahia.

REFERÊNCIAS

Ver no Medium.com

https://exame.abril.com.br/tecnologia/a-psicologia-por-tras-das-noticias-falsas/http://revistasimplesmente.com.br/raciocinio-motivado/

https://revistagalileu.globo.com/blogs/olhar-cetico/noticia/2014/10/raciocinio-motivado-acreditamos-no-que-confirma-nossas-esperancas-e-preconceitos.html

https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2003/030110_iraqueep.shtml

https://en.wiktionary.org/wiki/firehosing

Publicado por Geraldo Seara

Professor de Inglês (pela UFBA), especialista em Tecnologias da Comunicação e Informação (pela UNEB) e em Mídias na Educação (pela UESB). Integrante da equipe de professores da Rede Anísio Teixeira, http://pat.educacao.ba.gov.br/tv-anisio-teixeira

Um comentário em “Firehosing? O que é isso?!

  1. Sem dúvida, um dos melhores e mais importantes textos que li este ano. Parabéns Professor Geraldo Seara.

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